Refletindo e iluminando palavras e sentimentos.

domingo, 20 de março de 2011

Pequena prosa { Reminiscências }

   Era tarde, o mundo parado só suspirava seus detalhes sutis e eu como quem não quer nada só amava um amor aprendiz, aquele pequenino sentimento que dependente do tempo crescia ou continuava mirradinho, como uma planta raquítica que nunca viu húmus na vida e vive adiando a partida, pois bem, lá estava eu aprendendo como boa aprendiz das coisas audaciosas que fazem corar a mais morena tez e umedecer o mais seco leito dos rios com águas caudalosas e tênues;Tinha onze anos recém adquiridos com direito a não querer lancheirinhas acompanhando bolo, pois já era uma mocinha e envergonhava os meus pequenos laços a despontar nas minha blusinhas Dancin Days, mas desejava ardentemente outra boneca susy de presente;Tinha a casa da minha avó como sendo um imenso território livre e uma descoberta a cada porta sorrateiramente aberta, a casa 414 de um bairro tradicional de Natal RN era uma imensa relíquia construída com muito amor pelo meu bisavô tipografo que nem teve tempo de ater aos detalhes finais da obra, pois o seu amor a profissão lhe tinha deixado doente com a tinta que tecia com tanto orgulho as palavras pioneiras de um jornal, deixando isso ao seu legado minha avó e meu avô um tipico Coronel da policia montada militar que cavalgou pelos sertões do Nordeste em caçada a um certo jagunço famoso " O Lampião ";a casa era toda em tijolos brancos e ladrilho português e o sol irradiava em todos os cômodos juntamente com o ar doce que vinha da cozinha e nos brindava a inocência,tinha amplas salas e inúmeros quartos e em cada um tendo como referência a personalidade do dono, por isso o encantamento a uma criança curiosa, adorava desvendar os mistérios do quarto de uma tia avó que me encantava com suas estantes empilhadas de livros, principalmente as que ficavam fora do meu alcançe pois se tratava de livros proibidos para uma mocinha em ambiente estritamente militar em época de plena ditadura e ainda mais pra mim se tratando de quem eu era e do que carregava em meu DNA, um sobrenome da família da minha mãe cujo pai e tios[meu avô e tios avôs]De sangue do mais puro comunismo, sangue esse jorrado e afligido em perseguições e prisões, mas isso é uma história que só agora na minha maturidade estou conhecendo e pesquisando[Pois o assunto sempre foi tabu]Para resgatar e entender um pouco de mim enredado nos passos da minha família e sua contribuição ao Brasil;Mas voltando aquele momento em frente ao alvo do meu desejo a última prateleira onde se escondia as mais belas palavras e que eu em meu infinito olhar de menina ansiava em penetrar naquele mundo tão desafiadoramente acolhedor, me sentia a própria Alice em meus devaneios infantis, só que o que eu desejava não eram mais os meus livros de cabeceira cheios de figuras e fantasias coloridas, o alvo do meu desejo era grande e sólido como um desafio, uma passagem para um novo horizonte onde eu experimentava a sensação de poder, de ser um passo adiante da minha condição de menina para poder me deslumbrar desde Eça de Queiroz em "O Primo Basilio "E suas rachaduras nos castelos do matrimonio a Jorge Amado e o seu "Capitães de areia"E sua revolta oriunda de uma sociedade hipócrita ao qual se faz presente até hoje, sem falar em José de Alencar,Shakespeare,Carlos Drummond de Andrade,Álvares de Azevedo entre outros imortais, e livros de cunho religioso como histórias de santos e vários livros psicografados por Chico Xavier;Esse era o meu recanto, subia na estante escolhia decorava exatamente o lugar na fila de livros para que não fosse descoberta e me escondia atrás do piano, para que entre o soar das notas e as palavras, os momentos de solidão e prazer se multiplicassem em anos, como se a melodia sincronizasse o meu tempo e eu parada no tempo me descobrisse crescendo junto ao meu conhecimento, ao som de Shubert com uma sonata entusiasta e o meu sorriso de prazer em frente a uma próxima página.
®IatamyraRocha




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